quarta-feira, 24 de agosto de 2011

momento de tensão - 2º exercício

Joaquim elegia uma matéria por dia para leccionar. Acreditava que era mais fácil para as crianças apreenderem os ensinamentos e não misturarem hemisférios com ditongos e subtracções com planetas. Na sala quadrada, pequena demais para albergar os corpos pertencentes aos 20 pares de olhos brilhantes e ávidos de aprendizagem, existiam 10 mesas dispostas em duas filas viradas para o quadro de giz. A secretária do professor ficava de frente para os alunos, à esquerda do quadro, no cimo do estrado de madeira. Grandes janelas viradas para o pátio permitiam a existência de luz natural. Na parede oposta, armários repletos de   livros, folhas, cadernos, cartolinas e uma infinidade de material escolar. Ao fundo, o mapa-mundo, cenário de grandes viagens em dias de aprender quem fomos e onde estamos.
Virado para o quadro, Joaquim escrevia no quadro o problema que, voluntariamente, um dos alunos viria resolver. Com quantas bolachas ficaria cada menino depois de o Joãozinho dividir com os seus 3 amigos, as 20 que tinha?
Estava ainda a terminar de escrever o enunciado, quando o chão lhe parece fugir dos pés. Numa vertigem inexplicável vira-se para trás numa tentativa de perceber o que se passava. Sentiu-se como numa montanha-russa e apenas conseguiu manter-se de pé agarrando-se ao quadro. Os armários abanavam, enquanto livros, lápis, canetas e réguas caiam violentamente no chão e dezenas de folhas esvoaçavam.
Os olhos das crianças fixavam-no num misto de medo, dúvida e súplica. Algumas gritavam, outros choravam. Duas meninas agarradas uma a outra, rezavam entre lágrimas e soluços.
Joaquim sentiu o coração parar. Não como pára como quando se morre. Mas como se todo o seu medo, a sua angústia, o seu pânico tivessem desaparecido de repente. O chão abanava debaixo dos seus pés mas Joaquim nem o sentia. Era uma rocha de grandes raízes que tremor nenhum conseguia mover.

- Não tenham medo!- a voz soou firme, num tom baixo e sereno. As crianças a olhá-lo sem saberem o que fazer. Desceu rapidamente do estrado, e entre a pressa de chegar e o desequilíbrio do chão que foge, quase caiu. Dirigiu-se à fila de mesas mais próximas dos armários, que a qualquer momento podiam tombar sobre as crianças.
-Vão para cima do estrado. Não se atropelem! -continuava num registo sereno, como se não estivesse a acontecer coisa nenhuma.

Foi dando a mão um a um, indicando-lhes o caminho para o estrado que lhe pareceu ser o local mais seguro dentro da sala. Fez o mesmo com as crianças da fila mais próxima da janela e depois de assegurar que já todas estavam onde indicara, juntou-se a elas.

- Fiquem juntos, dêem as mãos. Não tenham medo, vai correr tudo bem! – Joaquim esforçou-se por tocar todos os meninos, num abraço gigante que lhes transmitisse o calor necessário para os apaziaguar.
De repente, tudo parou. Um silêncio absoluto desabou sobre eles. O chão, que já não tremia, parecia continuar a tremer. Os armários já não abanavam mas pareciam ainda mexer. Baixinho, as crianças choravam. Joaquim respirou fundo e sentiu o coração começar a bater com força. Como se tivesse estado parado e tivesse voltado com toda a fúria necessária para fazer o sangue circular de novo. O chão já não tremia. Quem tremia agora era o Joaquim.

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