sexta-feira, 28 de outubro de 2011

o carrossel

Há acontecimentos que se interligam, num carrossel de movimentos que parecem dançar à luz das velas. Suaves, tão suaves que passam quase despercebidos.

Uma conversa, seguida de uma frase que se encaixa na perfeição. Uma música, que por unanimidade não se gosta. Que surge assim, num momento comum, em separação física mas em sintonia de emoções.

São assim as energias. Aquelas que nos movem em direcções certas sem que percebamos porquê. Às vezes nem depois de lá chegarmos.  Que nos juntam a pessoas sem razão aparente. A esta pessoa, não àquela.

Há pessoas assim. Que chegam passados 20 anos como se tivessem ido só ali. Que não nos cobram. Não nos julgam. Não nos mentem. Não nos querem seduzir. Estão apenas. São apenas. Genuínas. Verdadeiras. Disponíveis.

E nova coincidência. Conversa adiada há anos com uma pessoa de todos os dias. Sobre uma outra de quem se gosta mas com quem se cruza de quando em vez. Dessa conversa, aquela que estava adiada, surge a notícia de um momento infeliz, que ainda há pouco, há poucochinho se passou. Como a dizer que não podemos estar demasiado tempo sem falar com quem gostamos.

Adiamos. O nosso nome do meio é adiar. Adiar telefonemas. Lembramo-nos, mas dizemos sempre :"mais logo". E esse logo nunca chega. Adiamos os encontros porque temos sempre algo tão inadiável para fazer como as coisas que fazemos todos os dias. Adiamos decisões, como se os problemas se resolvessem sozinhos.

E, de vez em quando, lá vem o carrossel de acontecimentos que nos diz que estamos ligados.
Que estaremos sempre.
Lá vem o carrossel de coincidências que nos põe a pensar que não podemos passar a vida inteira a adiar.

Porque um dia, já não teremos mais tempo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

educar às vezes dói

Quem tem um terraço com 10 andares por cima, sabe bem que por vezes encontra presentes inesperados no final do dia. Não me posso queixar especialmente, os meus vizinhos são até muito civilizados e contribuem bastante para o meu cesto das molas da roupa estar cada vez mais cheio, obrigada! Mas 10 andares são 10 andares e neles há muitas pessoas, incluíndo crianças.

Estávamos eu e a minha filha no final do dia a brincar no terraço, quando começam a chover lápis, borrachas e um tubo de cola. Tentei perceber de onde vinham sem grande sucesso. A minha preocupação principal foi irmos para dentro não fosse alguma daquelas coisas acertar-nos em cheio na cabeça. Lá se percebeu que muito provavelmente viriam do 10º andar. Deixámos passar. Dois dias depois chegamos a casa e encontramos novamente alguns lápis espalhados pelo terraço. Apanhámo-los novamente e deixámos passar. Mais dois dias e o terraço era um mar de pedaços de lápis de cera de todas as cores. Não deixámos passar. Não vale a pena descrever todos os pormenores que nos levaram a ter a certeza que "aquela chuva" tinha vindo directamente do 10º andar onde vivem dois rapazes aí com os seus 12/13 anos. O M. foi lá bater à porta. Explicou ao pai dos miúdos que há alguns dias um dos objectos atirado podia ter atingido e aleijado a nossa filha e que isso ele não podia aceitar.

Estávamos já a jantar quando tocam à campainha. Eram pai e filho do 10º andar. Diz o Pai:" parece que alguém quer dizer alguma coisa". E o filho, com os olhos no chão, pede desculpa pelo que tinha feito.

Era eu miúda - talvez com uns 6 anos- decidi fazer uma birra à hora do jantar. O copo tinha ainda água mas eu berrei que não, que não tinha, que queria mais. E insisti. E voltei a insistir. O meu Pai despejou-me o copo de água pela cabeça abaixo e perguntou: "então, tinhas ou não tinhas água no copo?".

Tenho um amigo que lá pelos 8 anos, decidiu ir à carteira da Mãe tirar algumas moedas para comprar sabe-se lá o quê. A Mãe pegou nele e disse-lhe que o ía levar à Polícia. Que quem rouba vai preso. Ele não acreditou. Mas foram andando em direcção à esquadra. E à medida que se íam aproximando, o meu amigo começou a perceber que se calhar era verdade. Já perto, mesmo perto, ele estava já desesperado, a chorar e a pedir à Mãe que não o levasse à esquadra. Chegaram à porta. Falaram com o Polícia. Voltaram para casa.

Não duvido mesmo nada que aquele Pai que levou o filho a pedir-nos desculpa tenha sentido o peito apertado enquanto o elevador descia. Não tenho dúvida que quem gelou foi o meu Pai quando me despejou o copo pela cabeça abaixo. E não tenho dúvida que em lágrimas deveria ir o coração da Mãe do meu amigo a sentir que o filho acreditava mesmo que ela o ía deixar ficar preso.

O que eu sei, é que hoje vejo sempre o copo meio cheio e nunca meio vazio.
O que eu sei, é que o meu amigo é das pessoas mais honestas que eu conheço.
Não pode ser coincidência.

Hoje é difícil encontrar quem tenha a coragem de educar assim. Quem não passe o tempo a super-proteger os filhos, a encontrar culpados para os seus erros de comportamento, que a maioria das vezes resultam dos erros de educação.
À luz das teorias de hoje, eu devia ser uma pessoa no mínimo com fobia de água. O meu amigo devia ser traumatizado porque a própria Mãe o quis entregar à Polícia.

Educar às vezes dói.
Que nos doa agora a nós.
Para depois não lhes doer a eles.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

a retoma começa hoje

É oficial. Estamos em crise.

Não o País. Que esse já está em crise há muito tempo.

São as pessoas que estão em crise. Económica sim. Porque de forma muito concreta vão ver os seus rendimentos reduzirem nos próximos dois anos, sem que possam fazer alguma coisa por isso - e não tenhamos ilusões, hoje são os funcionários públicos, amanhã serão também os do sector privado.

Mas a nossa crise é ainda mais grave e vai ainda mais além. Estamos em profunda crise ideológica. Em crise "interventiva". Em crise de passado e de futuro. Estamos perdidos. Desconfiamos de todos. Dos que foram, dos que vieram e dos que estão. E a pergunta que fica é: como é que chegámos a este ponto?

Sim, como é que chegámos aqui? A esta situação de penúria colectiva. Como é que as pessoas que nos têm governado permitiram que fosse assim? E que culpa teremos nós em todo este processo?

Não somos isentos de culpas e de responsabilidades. Descurámos o nosso dever de participar na vida política e de eleger os governantes que queríamos para nós. Gastámos mais do que tínhamos. Pedimos dinheiro emprestado às instituições de crédito até ao limite para comprar o que nem sempre precisávamos. Fugimos aos impostos. Trabalhámos menos do que devíamos e por isso produzimos menos, gerámos menos riqueza. Passámos o tempo a dizer mal do País, dos governantes e dos patrões mas nunca fomos capazes de nos esforçar um bocadinho mais.

E agora? Vamos fazer o quê? Vamos ficar eternamente a apontar o dedo a possíveis culpados ou vamos levantar a cabeça, aceitar o inevitável e seguir em frente?

Há duas formas de lidar com as dificuldades. Uma é lamentarmo-nos, dizermos mal da nossa má sorte, afirmarmos ao mundo que temos vergonha de sermos portugueses. Outra é encarar o touro de frente. Ir à luta. Aceitar que não podemos voltar atrás e o único caminho é para a frente. Que vamos mesmo ter que sofrer na pele os erros passados para melhorar depois. Que temos que aprender com o que fizemos mal feito para não repetir.

A lição, a grande lição que todos podíamos dar, era apoiar as medidas que nos são exigidas. Era mostrar ao mundo que estamos juntos e dispostos a ultrapassar isto de forma rápida, para que seja o mais indolor possível. Assim como quem tira um penso rápido bem agarrado à pele. Ao invés de criar ainda mais dificuldades e atrasos. Ao invés de destabilizarmos ainda mais a harmonia social e travarmos ainda mais a produção de riqueza do País. Deixemos as crises de que somos culpados e vítimas de lado de uma vez por todas.

Eu não sou pessoa de ficar a olhar para o que foi ou podia ter sido. De me ficar a lamentar pelas desgraças do passado. Sou pessoa de seguir em frente. De acreditar que pode e será sempre melhor o que aí vem do que o que ficou para trás. Porque o que vem é um livro em branco e nele escreveremos o que quisermos. E eu não quero escrever palavras de desânimo e descontentamento. Quero escrever palavras que me encham os dias de coisas boas.

Para mim é oficial, a retoma começa hoje.