quarta-feira, 19 de outubro de 2011

educar às vezes dói

Quem tem um terraço com 10 andares por cima, sabe bem que por vezes encontra presentes inesperados no final do dia. Não me posso queixar especialmente, os meus vizinhos são até muito civilizados e contribuem bastante para o meu cesto das molas da roupa estar cada vez mais cheio, obrigada! Mas 10 andares são 10 andares e neles há muitas pessoas, incluíndo crianças.

Estávamos eu e a minha filha no final do dia a brincar no terraço, quando começam a chover lápis, borrachas e um tubo de cola. Tentei perceber de onde vinham sem grande sucesso. A minha preocupação principal foi irmos para dentro não fosse alguma daquelas coisas acertar-nos em cheio na cabeça. Lá se percebeu que muito provavelmente viriam do 10º andar. Deixámos passar. Dois dias depois chegamos a casa e encontramos novamente alguns lápis espalhados pelo terraço. Apanhámo-los novamente e deixámos passar. Mais dois dias e o terraço era um mar de pedaços de lápis de cera de todas as cores. Não deixámos passar. Não vale a pena descrever todos os pormenores que nos levaram a ter a certeza que "aquela chuva" tinha vindo directamente do 10º andar onde vivem dois rapazes aí com os seus 12/13 anos. O M. foi lá bater à porta. Explicou ao pai dos miúdos que há alguns dias um dos objectos atirado podia ter atingido e aleijado a nossa filha e que isso ele não podia aceitar.

Estávamos já a jantar quando tocam à campainha. Eram pai e filho do 10º andar. Diz o Pai:" parece que alguém quer dizer alguma coisa". E o filho, com os olhos no chão, pede desculpa pelo que tinha feito.

Era eu miúda - talvez com uns 6 anos- decidi fazer uma birra à hora do jantar. O copo tinha ainda água mas eu berrei que não, que não tinha, que queria mais. E insisti. E voltei a insistir. O meu Pai despejou-me o copo de água pela cabeça abaixo e perguntou: "então, tinhas ou não tinhas água no copo?".

Tenho um amigo que lá pelos 8 anos, decidiu ir à carteira da Mãe tirar algumas moedas para comprar sabe-se lá o quê. A Mãe pegou nele e disse-lhe que o ía levar à Polícia. Que quem rouba vai preso. Ele não acreditou. Mas foram andando em direcção à esquadra. E à medida que se íam aproximando, o meu amigo começou a perceber que se calhar era verdade. Já perto, mesmo perto, ele estava já desesperado, a chorar e a pedir à Mãe que não o levasse à esquadra. Chegaram à porta. Falaram com o Polícia. Voltaram para casa.

Não duvido mesmo nada que aquele Pai que levou o filho a pedir-nos desculpa tenha sentido o peito apertado enquanto o elevador descia. Não tenho dúvida que quem gelou foi o meu Pai quando me despejou o copo pela cabeça abaixo. E não tenho dúvida que em lágrimas deveria ir o coração da Mãe do meu amigo a sentir que o filho acreditava mesmo que ela o ía deixar ficar preso.

O que eu sei, é que hoje vejo sempre o copo meio cheio e nunca meio vazio.
O que eu sei, é que o meu amigo é das pessoas mais honestas que eu conheço.
Não pode ser coincidência.

Hoje é difícil encontrar quem tenha a coragem de educar assim. Quem não passe o tempo a super-proteger os filhos, a encontrar culpados para os seus erros de comportamento, que a maioria das vezes resultam dos erros de educação.
À luz das teorias de hoje, eu devia ser uma pessoa no mínimo com fobia de água. O meu amigo devia ser traumatizado porque a própria Mãe o quis entregar à Polícia.

Educar às vezes dói.
Que nos doa agora a nós.
Para depois não lhes doer a eles.

3 comentários:

  1. Este Verão, a P deixou as rodinhas da bicicleta e ao segundo dia achava que era a Michèle Mouton das 2 rodas. Como sempre que achamos que dominamos sem dominar a coisa dá asneira, também a P perdeu o controlo da bicicleta e decidiu adornar com 2 riscos o carro do vizinho.
    Sim, o meu coração ficou pequenino. Sim, custou-me dizer-lhe para o fazer mas sim, foi comigo bater à porta, ouvir-me perguntar se era necessário alguma coisa e quando o homem respondeu: "deixe estar", teve que lhe dizer: Obrigado e Desculpe.
    Espero que lhe tenha servido para no futuro não ser como a besta que me bateu há 2 semanas e fugiu, deixando-me na rotunda a olhar para o vazio, ou como o animal que hoje de manhã abalroou um carro à minha frente e seguiu como se nada fosse.
    É - também - por causa desta gente que educar às vezes dói. E sim, estás carregada de razão:
    "Que nos doa agora a nós.
    Para depois não lhes doer a eles."

    ResponderEliminar
  2. Tomara eu conseguir fazer sempre a coisa certa... é tão difícil. A frase final é brilhante! Adorei.

    ResponderEliminar