E pronto, lá ficou.
Ser mãe (ou pai), é isto mesmo.
Quando decidimos que ía mudar de escola, fizemo-lo de modo consciente. Na altura não teve nada que ver com dinheiro, menos ainda com o facto de podermos achar que a escola em que andava não servia o objectivo de aprender mais e melhor. Teve apenas que ver com o facto de acreditarmos que a escola não deve ensinar apenas os números e as letras. Deve preparar para a vida. Que é preciso que percebam que a realidade do mundo não é a redoma de vidro em que estava confortavelmente (ela e nós) na escola anterior.
Preparar para a vida é perceber as diferenças. Conviver com elas. É ter que ganhar as suas defesas, encontrar os seus pontos de equilíbrio. É conviver com meninos de outras culturas, de outros meios sociais e económicos. E estar presente para explicar o que é mais difícil de perceber, formar para a aceitação do outro. É deixá-los perceber que o coração sangra muitas vezes, mas que estaremos lá para curar as feridas, com amor, com carinho, com compreensão.
Hoje deixei-a nesse novo mundo. Num mundo de portão aberto. De muitas crianças e grande confusão. Com pessoas que não conheço, que não sei se têm a capacidade e a inteligência emocional necessárias para perceber que todas as crianças são diferentes. Ficou. Descansou mais quando a sua amiga chegou e nela encontrou um porto seguro.
E eu vim-me embora. Chorei. Confesso que chorei. Mais do que no primeiro dia em que a deixei com a ama quando tinha 6 meses. Mais do que no dia em que a deixei com dois anos e meio na escola. Da primeira vez, chorei porque ela não podia perceber porque é que eu a deixava com uma pessoa que ela não conhecia. Porque a deixava pela primeira vez desde que tinha começado a crescer dentro de mim. Mas deixei-a com a certeza de que dificilmente ficaria melhor entregue. Da segunda vez, chorei porque tive de a deixar num ambiente novo, mais uma vez sem que ela percebesse porquê, mas com confiança em quem ficava com ela. Com a certeza de que teria toda a atenção do mundo.
Hoje chorei porque a deixei num mundo muito diferente do que ela conhece. Com pessoas que ela não conhece e que eu não conheço. Porque sei (desconfio, vá) que ali não terá a mesma atenção e o mesmo carinho a que está habituada. Porque haverá decerto miúdos e miúdas estúpidos que a farão sofrer. Porque não tenho a certeza se as pessoas que lá estão têm a capacidade, ou mesmo o interesse, de a acompanhar como eu gostaria.
Provavelmente, doeu-me mais a mim do que lhe doeu a ela. Que ficou com a certeza de ter à sua espera um mundo novo, de aprendizagem e conhecimento.
Sou assim, eu. Firme e hirta quando a situação o exige. Mas desmorono mais depressa que um castelo de cartas no segundo em que a minha força já não é necessária. Tive vontade de pegar nela e ir a correr para a escola antiga. Pedir desculpa por chegar assim, sem avisar, dias depois de já terem começado o trabalho.
Mas não podemos, pois não? Não podemos andar com eles ao colo a vida inteira. Não podemos evitar os sofrimentos e os perigos que, se tudo correr bem, servirão apenas para os fazer crescer mais fortes e mais conscientes.
Não me contive, e chorei ao telefone com o meu marido, que estará também ansioso, mas que tem de trabalhar e não precisava de uma maria-maluca a destabilizar-lhe a cabeça. E chorei depois com o meu próprio Pai, que me perguntou "queres que vá aí?". E ser pai e mãe é isto mesmo. É não poder evitar o sofrimento, mas minimizá-lo um bocadinho com a presença. Mesmo quando temos quase 40 anos.
Hoje começa uma nova etapa para todos nós. E eu sei que será uma etapa maravilhosa, de crescimento, de conhecimento, de novos amigos.
Agora já passou, não vou chorar mais (se bem que ainda não falei com a minha mãe, o que eleva em muito o risco das lágrimas me voltarem a torvar os olhos...).
É o coração. É o coração de Mãe que nos deixa assim, parvas.
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