Eu não queria. Acreditem que não queria ter sido assim, tão fria, tão calculista, tão pouco pedagógica. Mas não podia dizer outra coisa. Não podia mesmo.
"Mãe, ontem um menino deu-me um pontapé". E eu perguntei porquê. A resposta foi qualquer coisa sobre ela estar a brincar com um menino e uma menina e terem vindo uns tentar estragar a brincadeira, e um deles ter-lhe dado um pontapé. Perguntei-lhe o que tinha feito. Disse que foi dizer a uma auxiliar, que a mandou pôr água na perna...
E o que é que eu devia ter dito? Que devia falar com o menino, que lhe devia explicar que aquilo não se faz, blá blá blá, whiskas saquetas....
Mas não foi o que eu disse. Tive de lhe dizer que não se pode ficar. Que quando alguém nos bate não nos podemos ficar. Que temos de nos defender e responder. Que se for preciso temos de dar na mesma medida em que nos deram. Que a violência deve ser sempre evitada, que não é resposta nem solução para nada, mas que não podemos deixar que nos façam mal.
Expliquei-lhe que muitas das pessoas que recorrem à violência são intelectualmente mais fracas (e ainda bem, caso contrário tornam-se muito perigosas! isto eu não disse) e quase sempre muito cobardes. Que provavelmente esse menino estava com ciúmes e também queria brincar, mas preferiu estragar-lhes a brincadeira a ter a humildade de perguntar se se podia juntar.
Disse-lhe que há pessoas que são más. Que nascem más. Que o mundo de amizade que ela conhece é muito restrito e que vai encontrar pessoas más ao longo da vida. Que a inteligência está em sabermos afastar-nos delas.
Ela disse que as meninas não eram tão más. E com toda a minha frieza - e é necessária muito para desenganar assim uma criança - tive de lhe dizer que as meninas podem ser ainda piores do que os rapazes. Que eles são mais físicos, resolvem tudo com um pontapé. Que elas são "manhosas", na generalidade intelectualmente mais fortes, e que é preciso estar muito atenta para perceber quem são mesmo as nossas amigas.
Também me disse que uns meninos tinham gozado com ela já não sei porquê. E eu perguntei o que é que ela tinha respondido. E ela, de sobrolho levantado e com ar de desdém respondeu: Ignorei!
That's my girl!
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