terça-feira, 14 de junho de 2011

viagens na minha terra

O  primeiro taxista adormeceu num sinal vermelho.
O segundo taxista tossiu o caminho todo.
O terceiro taxista não se calou um minuto. Entre muitas coisas, disse que já tinha pensado comprar um GPS, mas que tinha experimentado um e “se não se tivesse posto fino” – foi esta a expressão –” tinha entrado por uma garagem adentro!” E eu lá concordei. Tenho as minhas próprias histórias com GPS’s.
Na viagem de comboio ía uma senhora – que pela voz eu diria que era um homem- que no mais puro sotaque do Norte falava com a Leninha sobre o “Batizo” do dia a seguir. Que sim, que ía comprar alguma coisa para a menina em seu nome. Sim, que veria qualquer coisinha de prata. “E bê lá que me disse que já tem lá um Libro de Presenças. Vai barão, que ali não falta nada!” E depois lá falhava a rede. “Tôou?! Leninha? Então? Sim, sim, vou lebar a minha máquina fotográfica, mas de certeza que vai lá haber fotógrafo que depois à noite deve pendurar as fotografias. Vê lá que são mais de 100 pessoas! Tanta gente! Mas já se sabe, ali é assim! E já têm libro de presenças. Ali não falta nada!” Que ela própria ainda tinha o livro de presenças do seu casamento, há mais de 40 anos, E lá falhava a rede outra vez:” Tôou?! Leninha?”
De regresso, agora no Expresso, senta-se ao meu lado um homem pouco mais velho que eu. A conversa é feita com auricular, o que permite aos vizinhos do lado ouvirem claramente o seu teor. Comecei por pensar que era um marido amoroso. Preocupado. A ementa lá de casa seria esparguete à bolonhesa e algo estaria complicado:”sim, estou bem, mas sabes como é, tenho a cabeça cheia, sempre a trabalhar, não pára. E tu conseguiste descansar?”
De seguida foi a vez de falar com o amigo Zé Manel, “já estás na Costa?”, “sim, claro, mas eu não sou um galifão como tu”, “eh pá, isso era giro, mas não me posso comprometer que isto está mal de massas”, “tás maluco, não, não posso”, “olha vê lá isso, faz lá contas e para a semana logo decido. Pedes duas credenciais se eu depois não poder ir paciência”, “pois não sei, a Cristina está de folga Domingo e Segunda”.
Mais alguns kms e de volta ao telefonema inicial, “o Zé Manel passou a semana a chatear-me para ir lá. Aquilo é sempre muito giro, está o Zé Manel e a mulher, mais os sogros, os pais e dois casais amigos. A Mãe dele também falou comigo a perguntar-me, então se tu não vens quem é que faz a sangria? vamos para o ano não é? vamos os dois para o ano? sim, sim isso parece-me giro, vou contigo claro que sim. e depois para o ano vamos os dois a casa do Zé Manel, queres? até tenho que ligar à Susana, a Susana é a mulher do Zé Manel, que também me ligou a perguntar se eu não ía. é que a Susana não sabe de nós, sabe que me estou a separar, mas não sabe de nós”.
E pronto, lá ficou percebido. Do outro lado não estava a mulher, mas a namorada. E no meio uma separação. E ele estava mortinho por ir a casa do Zé Manel passar os Santos, como aliás era hábito. E o que ele não disse era que queria muito ir a casa do Zé Manel. encontrar as pessoas de sempre, num ambiente de sempre. Ele não disse directamente, mas deu a entender muitas vezes. Havia aliás o problema da sangria! Ele não disse que no meio da confusão da sua vida, lhe apetecia ir para um porto seguro, onde tudo era igual ao que sempre tinha sido. Queria ir onde se sentisse desejado, onde a Mãe do Zé Manel lhe desse aquela palmadinha no rosto, onde talvez depois de uma cerveja a mais pudesse até falar deles à Susana. Dizer-lhe que havia uma outra pessoa na sua vida. Ganhar o seu aval, quem sabe ouvir “então porque é que não a trouxeste?”. Nestas coisas já se sabe, o consentimento das mulheres dos amigos resolve tudo.
E ela do outro lado, que não percebeu ou não quis perceber, não deu importância à conversa, arranjou um plano alternativo, talvez com medo que a festa de sempre lhe trouxesse outras memórias e algumas saudades da vida que não era a dela.
Ela não percebeu que nós somos como as árvores e morremos se não tivermos raízes.
Ele não disse. E ela não percebeu.
O resto da viagem fez-de de phones nos ouvidos. Não fosse alguém estar mal da garganta, ter problemas com GPS’s, querer falar com a Leninha sobre o baptizado ou ter problemas de relacionamentos para resolver.

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